quarta-feira, 10 de julho de 2013

O Passado de Hector Babenco

   Filme de 2007, Argentina e Brasil.
   Com Gael Garcia Bernal e Analía Couceyro.





   Este filme me mostra uma personagem, Rímini, que não pertence a si. Que permite que sua convivência com a vida e seu cotidiano, sejam sempre invadidos por pessoas dizendo a ele como viver, a quem amar, como andar, a começar pelo fantasma da ex-esposa, Sofia. 
   O filme já se inicia de uma maneira estranha, com uma festa em comemoração aos 12 anos do casamento de Sofia e Rímini. Oferecida por uma amiga do casal, Frida. Que tem uma afeição muito grande pela relação dos dois, tão grande, que beira o erotismo. Eles configuravam o exemplo do casal feliz.

   O passado é realmente uma pedra no caminho de Rímini, que convivia com sua esposa desde a idade mais tenra. Mesmo após o fim do casamento, Sofia está presente em todas as suas relações e em todos os momentos importantes. Rímini não tinha posse de sua vida, cheirava demais, esquecia, tinha pesadelos. Estava preso.

   Quando encontrou um possível porto-seguro, em outra das mulheres que ele procurava, quase parecendo um certo desespero, para cuidar dele como uma criança, Sofia também se faz  presente...

   Sofia é uma mulher forte, passional e determinada. Também é uma dependente emocional, que  não acredita na possibilidade do fim, que não consegue assumir independência para si. Não se compreende em uma convivência social sem o homem com quem se casou. Ela não consegue fazer-se fora de um papel pré-estabelecido por sua família, pelo pai de Rímini, pelos amigos.
Em algum momento do filme vemos em Sofia, uma caricatura de mulher, de repente uma louca visceral, depois uma menina doce.

   Com belíssimas atrizes e atores, o filme O Passado, revela que o passado pode torna-se presente a qualquer momento. 

Cristina Dias




terça-feira, 9 de julho de 2013

Eduardo Giannetti - As partes & o todo

Fonseca, Eduardo Giannetti da
As partes & o todo / São Paulo: Siciliano, 1995.

Prefácio & agradecimentos 

(...) Este livro, reunindo 59 artigos publicados na imprensa entre junho de 89 e outubro de 94 (...)

(...) Embora os artigos deste livro tenham sido publicados nos mais diversos jornais e revistas da imprensa brasileira, foi na coluna "Economia ilustrada" do Caderno Finanças da Folha de S. Paulo, com ilustração de Trimano (...)



Transito é microcosmo de nossa sociedade

(...) Mas a grande vedete do espetáculo é a sociedade. O motorista brasileiro é o 'homem cordial' de Sérgio Buarque de Holanda ao volante: "Cada indivíduo afima-se ante os seus semelhantes indiferente à lei geral, onde esta lei contrarie sua afinidades emotivas, e atento apenas ao que o distingue dos demais, do resto do mundo... A personalidade individual dificilmente suporta ser comandada por um sistema exigente e disciplinador". 
   Cada motorista individual busca o que é melhor pra si, o que é natural. Mas como as regras de interesse comum - o mínimo legal da convivência civilizada - são amplamente desrespeitadas, todos terminam vivendo em situação bem pior do que poderiam viver. O todo nega, frustra e faz literalmente picadinho da ambição das partes. É o paraíso (infernal) dos tolos.

Página 26



A base moral da economia capitalista

(...) Considere uma sociedade hipotética na qual não haja limites para o uso do dinheiro. Tudo pode ser objeto de compra e venda - tudo tem um preço. Nas relações privadas entre as pessoas  é possível adquirir qualquer coisa, desde órgãos humanos, fetos e bebês até serviços sexuais, lugares em filas e a eliminação de inimigos. Nas relações com o setor público, a mesma coisa: votos, cargos, fiscais, juízes, decisões de política econômica, emfim, tudo o que diz repeito ao governo pode ser comprado por qualquer cidadão que esteja disposto a pagar o preço.
   Até que ponto um sistema assim constituído - uma sociedade na qual o dinheiro manda em tudo e é capaz de tudo - poderia ser visto como o capitalismo levado às suas últimas consequencias? Isso não seria exatamente o capitalismo em estado puro?
   (...) Há coisas na vida, como por exemplo a lealdade de um amigo, sócio ou colega de trabalho, que simplesmente não são passíveis de compra e venda, e isso mesmo que não houvesse qualquer restrição moral à sua aquisição por dinheiro. 
   (...) A ideia de comprar lealdade é uma contrição em termos. Lealdade comprada é lealdade negada(...)


(...) O egoísmo sem freios e o oprotunismo tendem a florescer não nos países onde o capitalismo desenvolveu-se, mas naqueles onde ele não se firma.
   O argumento de Weber, diga-se de passagem, já estava contido na observação do economista inglês Alfred Marshall, segundo a qual "os métodos modernos de comércio requerem hábitos de confiabilidade, de um lado, e um poder de resistir à tentação de ser desonesto, de outro, que falta de uma infra-estrutura moral adequada é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do capitalismo e à superação da pobreza no mundo.

(...) Milton Friedman: "Um governo severamente limitado tem poucos favores a dar. Como consequência  haverá pouco incentivo para corromper autoridades estatais e o serviço governamental terá poucas atrações para as pessoas preocupadas principalmente com o enriquecimento pessoal". 

Páginas 28 e 29 



O desejo de colher o que outros plantaram 

(...) Max Weber no início do século, este traço é perene e universal: " O impulso à aquisição, a busca do ganho, do dinheiro, da maior quantidade possível de dinheiro, não tem nada a ver com o capitalismo. Tal impulso existe e tem existido entre garçons, médicos, artistas, cocheiros, prostitutas, funcionários desonestos, soldados, nobres, cruzados, apostadores e mendigos. Pode-se dizer que ele tem sido comum a todos os tipos de homens, de todas as condições, em todas as épocas e países do planeta, onde quer que a possibilidade objetiva dele exista ou tenha existido". 


   O que torna a corrupção endêmica na gestão do Estado brasileiro não é só a impunidade. Os grandes aliados da malversação (dolosa e culposa) de recursos públicos no Brasil são: 1) a inflação alta e crônica que destrói a transparência dos orçamentos e contas do governo; 2) o federalismo truncado da Constituição de 1988, que faz as verbas públicas darem 'passeios' absurdos por Brasília; 3) o elevadíssimo grau de politização da nossa economia (por exemplo, até a definição de carro popular no Brasil, para fins de isenção fiscal, depende de decreto governamental.)

Páginas 31 e 32



segunda-feira, 8 de julho de 2013

Mario Sergio Cortella - O que a vida me ensinou

Cortella, Mario Sergio
O que a vida me ensinou / 3. ed. São Paulo; Saraiva ; Versar, 2011


O acolhimento da discordância


   Para lidar com a mudança, você precisa, sobretudo, prestar atenção nas pessoas. Paulo Freire, o brasileiro que mais acumulou títulos de doutro honoris causa na história do nosso país, também era um mestre nisso. Quando alguém vinha falar com ele, um homem mundialmente famoso, Paulo não só parava para escutar como dava toda a atenção do mundo. 
Não raro, colocava a mão no ombro do interlocutor para criar uma condição de igualdade, um vínculo, uma conexão física para materializar o que Aristóteles chamou de amizade: dois corpos numa única alma.
   Quando conversava, Paulo Freire não mantinha com seu interlocutor uma  fala diplomática ou cordial. Ele cultivava uma disposição legítima de aprender com o outro. Era um homem da ética, e não da pequena ética, da mera etiqueta (sim, etiqueta é a pequena ética, assim como camisetas são pequenas camisas).

(...) A concordância faz com que permaneçamos estacionados. A discordância faz com que cresçamos. A palavra concordância vem de cor, coração, e significa unir os corações. Discordar, por sua vez, é promover a separação dos corações, algo que possibilita o desenvolvimento pessoal. Assim, para estimular o crescimento do outro e de si mesmo(...)

(...) A anulação do outro é o ápice do confronto e o confronto deve ser evitado a todo custo. Isso vale para o terreno das ideias, da convivencia, para o casamento (...)

Páginas 29,30 e 33



O que se aprende com o óbvio

Ensinar vem do latim ensignar, vem de signo, de sinal, de deixar uma marca. Ensignar é o que você grava em algo ou alguém. Se uma pessoa me pergunta o que aprendi na vida até agora, minha resposta revelará tudo que me ensignou, as marcas que foram gravadas em mim. Revelará minhas características, meus caracteres, meu caráter. Perceba que as palavras ensignar e aprender estão conectadas, uma vez que ninguém ensina sem ter aprendido e vice-versa. Parece óbvio, mas pouca coisa é mais perigosa na existência do que o óbvio, essa âncora que paralisa o pensamento e induz à falsidade, à distorção, ao erro. 

(...) Todo conhecimento e todo anaço vão contra o óbvio, contra tudo aquilo que ancora, que evita o progresso e o desenvolvimento humano. Sim, mudar é complicado, pois a mudança é contrária à imobilidade - e a imobilidade diversas vezes se esconde por trás da máscara traiçoeira da coerência. Os melhores artistas não são coerentes. São a antítese do óbvio(...)


(...) Mario Quintana por três vezes concorreu a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras e, em todas, foi recusado, apesar de lá já terem estado e ainda estarem alguns "imortais" extremamente banais. Como forma de recusa à essa afronta estética e étca, o gaúcho, nascido em Alegrete, fez uma das mais brilhantes reações, produzindo um Poeminho do Contra (e é poeminho mesmo):



Todos esses que aí estão 
Atravancando o meu caminho.
Eles passarão.
Eu passarinho. 


   Quintana também disse que, se um autor tem de explicar a seu leitor o que ele quis dizer com uma determinada frase ou conceito, um dos dois é burro. Pois no meu caso sempre considero que o burro sou eu. Quando escrevemos nunca saberemos como seremos interpretados (...)



Páginas 9, 10,11 e 12





Saudade e nostalgia, raízes e âncoras 



(...) Nostalgia é uma lembrança que dói, saudade é uma lembrança que alegra. Uma pessoa tem saudade quando tem raízes, pois o passado a alimenta (...) Pessoas que têm nostalgia estão quase sempre às voltas com um processo de lamentação. 


   Como curiosidade, lembro que a palavra nostalgia foi criada por um médico alemão no século 19. Naquela época, quem tinha um ferimento feio tinha de amputar o membro ferido. E, como hoje, muita gente que perdeu uma parte do corpo relata continuar sentindo desconforto, coceira ou dor no membro que não existe mais. E então o médico alemão pegou duas palavras gregas antigas e as uniu: nostos, que significa volta, e algo, que quer dizer dor. Assim, nostalgia ficou sendo a dor da volta, a dor daquilo que já se foi e continua doendo(...)



Páginas 22 e 21