segunda-feira, 8 de julho de 2013

Mario Sergio Cortella - O que a vida me ensinou

Cortella, Mario Sergio
O que a vida me ensinou / 3. ed. São Paulo; Saraiva ; Versar, 2011


O acolhimento da discordância


   Para lidar com a mudança, você precisa, sobretudo, prestar atenção nas pessoas. Paulo Freire, o brasileiro que mais acumulou títulos de doutro honoris causa na história do nosso país, também era um mestre nisso. Quando alguém vinha falar com ele, um homem mundialmente famoso, Paulo não só parava para escutar como dava toda a atenção do mundo. 
Não raro, colocava a mão no ombro do interlocutor para criar uma condição de igualdade, um vínculo, uma conexão física para materializar o que Aristóteles chamou de amizade: dois corpos numa única alma.
   Quando conversava, Paulo Freire não mantinha com seu interlocutor uma  fala diplomática ou cordial. Ele cultivava uma disposição legítima de aprender com o outro. Era um homem da ética, e não da pequena ética, da mera etiqueta (sim, etiqueta é a pequena ética, assim como camisetas são pequenas camisas).

(...) A concordância faz com que permaneçamos estacionados. A discordância faz com que cresçamos. A palavra concordância vem de cor, coração, e significa unir os corações. Discordar, por sua vez, é promover a separação dos corações, algo que possibilita o desenvolvimento pessoal. Assim, para estimular o crescimento do outro e de si mesmo(...)

(...) A anulação do outro é o ápice do confronto e o confronto deve ser evitado a todo custo. Isso vale para o terreno das ideias, da convivencia, para o casamento (...)

Páginas 29,30 e 33



O que se aprende com o óbvio

Ensinar vem do latim ensignar, vem de signo, de sinal, de deixar uma marca. Ensignar é o que você grava em algo ou alguém. Se uma pessoa me pergunta o que aprendi na vida até agora, minha resposta revelará tudo que me ensignou, as marcas que foram gravadas em mim. Revelará minhas características, meus caracteres, meu caráter. Perceba que as palavras ensignar e aprender estão conectadas, uma vez que ninguém ensina sem ter aprendido e vice-versa. Parece óbvio, mas pouca coisa é mais perigosa na existência do que o óbvio, essa âncora que paralisa o pensamento e induz à falsidade, à distorção, ao erro. 

(...) Todo conhecimento e todo anaço vão contra o óbvio, contra tudo aquilo que ancora, que evita o progresso e o desenvolvimento humano. Sim, mudar é complicado, pois a mudança é contrária à imobilidade - e a imobilidade diversas vezes se esconde por trás da máscara traiçoeira da coerência. Os melhores artistas não são coerentes. São a antítese do óbvio(...)


(...) Mario Quintana por três vezes concorreu a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras e, em todas, foi recusado, apesar de lá já terem estado e ainda estarem alguns "imortais" extremamente banais. Como forma de recusa à essa afronta estética e étca, o gaúcho, nascido em Alegrete, fez uma das mais brilhantes reações, produzindo um Poeminho do Contra (e é poeminho mesmo):



Todos esses que aí estão 
Atravancando o meu caminho.
Eles passarão.
Eu passarinho. 


   Quintana também disse que, se um autor tem de explicar a seu leitor o que ele quis dizer com uma determinada frase ou conceito, um dos dois é burro. Pois no meu caso sempre considero que o burro sou eu. Quando escrevemos nunca saberemos como seremos interpretados (...)



Páginas 9, 10,11 e 12





Saudade e nostalgia, raízes e âncoras 



(...) Nostalgia é uma lembrança que dói, saudade é uma lembrança que alegra. Uma pessoa tem saudade quando tem raízes, pois o passado a alimenta (...) Pessoas que têm nostalgia estão quase sempre às voltas com um processo de lamentação. 


   Como curiosidade, lembro que a palavra nostalgia foi criada por um médico alemão no século 19. Naquela época, quem tinha um ferimento feio tinha de amputar o membro ferido. E, como hoje, muita gente que perdeu uma parte do corpo relata continuar sentindo desconforto, coceira ou dor no membro que não existe mais. E então o médico alemão pegou duas palavras gregas antigas e as uniu: nostos, que significa volta, e algo, que quer dizer dor. Assim, nostalgia ficou sendo a dor da volta, a dor daquilo que já se foi e continua doendo(...)



Páginas 22 e 21  





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